Uma das premissas mais básicas do espiritismo, seja kardecismo ou umbanda, é a caridade. Nossa religião foi definida pelo guia que a fundou, o Caboclo das Sete Encruzilhadas, usando as seguintes palavras: “A Umbanda é a manifestação do espírito para a prática da caridade”. Por mais simples que essa frase possa parecer, ainda temos muita dificuldade em compreender realmente seu significado.
Existem diversos tipos de caridade, apesar de nem sempre sabermos considerá-las como tal.
O primeiro tipo é o mais conhecido, aquele em que geralmente pensamos quando falam da prática da caridade: a material. Atos como a distribuição de cestas básicas, campanhas do agasalho, doações de remédios e brinquedos são os exemplos mais comuns e mais frequentes. É sim uma prática muito bonita, mas acontece um fenômeno muito curioso. Se você perguntar a alguém, independente de religião, que organize periodicamente uma campanha do agasalho, vai ouvir a mesma história: é sempre necessário fazer uma triagem pra separar e selecionar as roupas, porque mais da metade das peças doadas não estão em condições de uso. Roupas íntimas usadas, sapatos furados, blusas rasgadas, calças manchadas… Ano após ano, várias pessoas sentem um súbito surto de caridade, esvaziam seus armários de todas as roupas inutilizáveis, abrem bastante espaço para suas futuras compras e despacham a sacola em um centro espírita ou ONG, muito satisfeitos com a grande caridade que fizeram. Se o centro em questão solicitar roupas usadas em bom estado, é muito frequente ouvir a resposta: “mas o que é isso, cavalo dado não se olha os dentes! Quem precisa, usa o que tem! Não pode ficar escolhendo, não!”. Essa pessoa que julgou adequado doar uma roupa rasgada a um irmão que necessita pode realmente ser chamada de caridosa?
Outro tipo de caridade é a imaterial, e dela tiramos vários exemplos. Quando você serve como ombro amigo para quem precisa, quando dá um conselho, visita um lar de idosos para que tenham com quem conversar ou conta histórias para crianças em um orfanato, você está doando seu tempo e dedicação. Se é feito com o coração, luz que se acende na sua alma e na de todos os beneficiados é exatamente a mesma de quando é doado alimento. Nosso corpo material precisa da matéria para viver, mas somos mais que um corpo. Ouvir e ser ouvido é tão fundamental quanto comer.
A caridade que praticamos em nosso terreiro é, claro, a espiritual. Cedemos nosso corpo material e, no caso de muitos médiuns, nossa mente para que os guias de luz atuem nos atendimentos de cura, desobsessões, psicografias, descarregos, passes, consultas. No caso dos médiuns conscientes, parte do processo é manter o segredo sobre o que foi relatado. Quem não incorpora também pratica a caridade quando auxilia as entidades, anota informações, busca objetos e, com certeza quando se dirige à assistência com cordialidade. A própria manutenção de um terreiro é parte dessa caridade, pois é o que permite a continuidade do trabalho. Varrer o chão, guinar ervas, lavar os banheiros, raspar velas e guardar copos são atividades sagradas, pois estão acontecendo em um lugar sagrado! Não é humilhação alguma lavar o chão em que os guias se manifestarão. Você não está fazendo isso pelo seu pai de santo nem pelos seus irmãos, e sim pelo seu orixá.
A caridade mais difícil de todas é a que precisa acontecer com mais frequência. É aquela que precisamos exercer dentro de casa, dia após dia, com nossa família. É não retrucar a opinião de uma avó, não levantar a voz para a sogra, largar o celular para conversar com seus pais, ter paciência com aquela criança que te chama para assistir pela milésima vez o mesmo desenho animado… Além de ser a mínima das obrigações, contribuir com a harmonia em seu lar é fundamental para ajustar as diferenças entre você e suas família. Você não encarnou nesta casa, cercado destes parentes, criado por estes pais à toa.
Lembramos que fora da caridade não há salvação. Qualquer ato que venha do fundo de seu coração na intenção de ajudar o próximo será mais uma pequena luz que se acende no planeta.
Nos despedimos lembrando esta frase: “fora da caridade não há salvação”.
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