A cabeça de Iku

Obatalá cria Iku, a Morte;

 

“Quando o mundo foi criado,

coube a Obatalá a criação do homem.

O homem foi criado e povoou a Terra.

Cada natureza da Terra, cada mistério e segredo,

foi tudo governado pelos orixás.

Com atenção e oferenda aos orixás,

tudo o homem conquistava.

Mas os seres humanos começaram a se imaginar

com os poderes que eram próprios dos orixás.

Os homens deixaram de alimentar as divindades.

Os homens, imortais que eram,

pensavam em si mesmos como deuses.

Não precisavam de outros deuses.

 

Cansado dos desmandos dos humanos,

a quem criara na origem do mundo,

Obatalá decidiu viver com os orixás no espaço sagrado

que fica entre o Aiê, a Terra, e o Orum, o Céu.

E Obatalá decidiu que os homens deveriam morrer;

Cada um num certo tempo, numa certa hora.

Então Obatalá criou Iku, a Morte.

E a encarregou de fazer morrer todos os humanos.

Obatalá impôs, contudo, à morte Iku uma condição:

só Olodumare podia decidir a hora de morrer de cada homem.

A Morte leva, mas a Morte não decide a hora de morrer.

O mistério maior pertence exclusivamente a Olorum.”

 

Extraído de “A morte e o culto aos ancestrais nas religiões afro-brasileiras”, de Luís Cláudio Cardoso Bandeira. Disponível em http://www4.pucsp.br/ultimoandar/download/LuisClaudioBandeira.pdf?fbclid=IwAR3WexlOcRNCuRQvLIJeehklj4wlNwV67L9jl6AspSshGMmUYQc1nJy25UI

 

Há um aspecto de Iku que esse conto não aborda, mas é muito presente nos itãs; o fato de que, ao criar a morte, Obatalá tinha o propósito de não deixá-la escolher quem teria a vida ceifada. Por isso a criou sem cabeça. A simbologia de um ser sem cabeça é justamente essa: ela não tem o discernimento de olhar para um ser humano e pensar se ele merece a morte ou não. Iku não se importa com ricos, pobres, velhos, jovens, homens, mulheres. Iku segue a ordem do Pai Maior sem questionar, porque sabe que não cabe a ela decidir quem morre e quem vive. Cabe somente a Olorum.

A humanidade nesse momento se esconde dentro de casa com medo de Iku. 

O vírus que assusta é invisível. Ele não escolhe para onde vai se espalhar, quem vai matar e quem vai fazer apenas tossir. Não escolhe se vai lotar os hospitais mais caros ou as enfermarias montadas às pressas. Não escolheu um só país para atacar. Está claro que todos nós estamos passando por essa prova.

Podemos fazer o possível para a prevenção, mas enquanto não encontrarmos uma cura esse medo ainda vai pairar no ar. Em vários países Iku faz a sua ronda e não é culpa dela; ela cumpre a determinação que recebeu. A nós, cabe ter fé. Quem sabe de todas as coisas é somente Deus e não nos cabe questionar. Por que aqui? Por que logo agora? Por que desse jeito? Um dia talvez saibamos a resposta, mas agora tudo que podemos fazer é a nossa parte. Com certeza são tempos difíceis. Muitos são tomados pelo desespero, muitos vêem seus planos se despedaçando, muitos sentem medo, muitos perdem a fé.

Nenhum de nós estava preparado para esse momento, mas nada acontece sem que seja parte do plano de Deus. A maior lição que podemos receber dele é: tenham esperança. Deus, os orixás e Iku não são maus ou cruéis; eles não nos lançam uma punição. Para quem sabe que a morte não é o fim, é possível pensar nesse momento como um recomeço. 

O que vai precisar mudar dentro do coração de cada um de nós? Que pensamentos e atos precisamos eliminar do mundo que surgirá quando essa tempestade passar? 

Não cabe a ninguém dizer que aqueles que estão falecendo estão sendo levados para algum lugar melhor ou pior; isso não é da nossa conta. Ninguém tem o poder de julgar a não ser Olorum. A melhor sugestão é que nos preparemos, cada um consigo, para o futuro. 

É normal sentir medo, mas não perca sua esperança. É normal estar triste, mas não entre em desespero. Cuide de si e de sua família, cuide de sua mente e de seu espírito e, acima de tudo, não perca a sua fé.

Se conseguirmos aprender tudo que pudermos com a mudança trazida por esse vírus, passaremos por esse momento como pessoas mais sábias. Haverá marcas profundas, mas as lições que tirarmos dessa situação farão toda a diferença.

por

Talita Emrich é médium da Casa de Caridade Portal de Aruanda, terapeuta nível III do Reiki e graduada em Literatura. Atualmente escreve os artigos sobre a espiritualidade aqui no Pontos de Umbanda.




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